The Dark Side of the Moon vence o desafio do tempo: 50 anos.

Por Jamari França – No dia de hoje, primeiro de março, há 50 anos, era lançado o álbum The Dark Side of the Moon pela banda inglesa Pink Floyd, um dos mais vendidos do mundo com ideia conceitual de tratar dos diversos aspectos da vida moderna. O lado escuro da lua nunca é visível da Terra, aspectos do nosso currículo individual também ficam obscuros, todos temos segredos que, às vezes, ocultamos de nós mesmos através do esquecimento.
Antes de The Dark Side, o Pink Floyd lançou dois bons discos dentro do ainda status de cult band do quarteto inglês formado por Roger Waters (baixo, voz), David Gilmour (guitarra), Nick Mason (bateria) e Richard Wright (teclados). Atom Heart Mother não passou do 70º lugar no maior mercado, os Estados Unidos, e Meddle do 55º.
O primeiro tinha um lado ocupado pela faixa-título, uma peça de rock sinfônico escrita em parceria com Ron Geesin e o segundo a peça de space rock Echoes, com climas que remetem ao prólogo de 2001, Uma Odisséia no Espaço. O grupo, fundado em 1965, excursionava sempre pelos Estados Unidos, mas eram grandes estrelas apenas na Europa.
No final de 1971, a banda começou a avaliar o material acumulado nos 18 meses anteriores em busca de números novos para uma turnê na Grã-Bretanha, Japão e EUA. Uma instrumental de Wright, rejeitada pelo diretor Antonioni para o filme Zabriskie Point, foi o ponto de partida para Us and Them. Outro fragmento de trilha de Waters e Ron Geesin para The Body geraria Breathe, sobre a poluição atmosférica.
Time nasceu do trabalho da banda sobre uma demo de Waters, Money começou com um improviso de Waters no baixo. Uma instrumental, Mortality Sequence, de Wright, viria a ser On the Run, a instrumental que precede Time sobre as viagens constantes da banda, com direito a avisos de aeroportos e uma grande explosão no final, a suposta queda de um avião. No meio dos trabalhos, Waters, que assumiu a direção do Pink Floyd a partir desse disco, teve a ideia de concentrar as músicas em torno de um tema: as diversas dimensões da vida contemporânea, incluindo relacionamento com o tempo, ambição, medo da morte, a loucura etc.
“A vida moderna é baseada numa busca do sucesso individual a qualquer preço, daí a necessidade de meditar sobre isso. A questão é saber se nascemos com isso ou se é imposto pelo sistema. Fazemos escolhas influenciadas por considerações políticas, por dinheiro e pelo lado obscuro de nossa essência. Temos a chance, por menor que seja, de tornar o mundo um lugar mais alegre ou mais sombrio,” definiu Waters em entrevistas. Os demais integrantes davam interpretações parecidas. Ou não. “As pressões da vida moderna e todos os elementos que conspiram para enlouquecer algumas pessoas” (Gilmour).
“O conceito original era sobre as pressões da vida contemporânea, mas depois Roger o transformou numa meditação sobre a loucura” (Mason). Rick Wright achava que era um tratado sobre negócios, com referências à vida de uma banda de rock. Apesar do título falar do outro lado da lua, Waters disse que também tinha o objetivo de fazer o Pink Floyd por os pés no chão, deixando de lado temas e levadas etéreas que rotulavam o grupo de banda de hippies doidões ou de space rock band. A loucura passaria a ser um tema recorrente dali em diante devido ao fantasma de Syd Barrett, o primeiro líder da banda, que pirara de ácido. Brain Damage, canção sobre a loucura, poderia ter o nome de Barrett como subtítulo. “O maluco está no gramado” (“The lunatic is on the ground”) é o primeiro verso e os dois últimos “se a sua banda começar a tocar canções diferentes/ Te vejo no lado escuro da lua.” (“And if the band yo´re in starts playing diferente tunes/ I´ll see you on the dark side of the Moon”). O primeiro é uma alusão direta a Barrett e os seguintes sobre sua expulsão da banda quando teve o colapso mental.
Dark Side vendeu em torno de 50 milhões de cópias, bem longe das 120 milhões de Thriller (Michael Jackson) no mercado mundial. Ficou 741 semanas consecutivas no Top 200 da revista Billboard e por mais de 200 semanas em entradas por motivos diversos como edições comemorativas. Como a indústria não perde oportunidade está saindo uma pelos 50 anos com um livro de 160 páginas, dois blue rays em 5.1, um DVD, réplicas dos singles Money e Time, edições novamente remasterizadas em vinil e CD etc.

Várias falas de pessoas presentes nos estúdios de Abbey Road sobre os temas do álbum foram gravadas e incluídas no álbum Algumas delas: A risada maníaca usada em Brain Damage e Breathe é do road manager Peter Watts. “Não tenho medo de morrer, qualquer hora serve, não me importo. Por que deveria ter medo de morrer? Não há motivo para isso. Você tem que ir um dia” (Gerry O´Driscoll, porteiro de Abbey Road, em The Great Gig in the Sky). “Sempre fui louco. Sei que sou louco como a maioria de nós. É muito difícil explicar porque você enlouqueceu, mesmo que não seja louco” (O´Driscoll em Speak to Me).
“Não sei, eu estava muito bêbado na ocasião” (Henry McCullough, guitarrista do grupo Wings, no final de Money). “Sou louco há uma porrada de anos, absolutamente anos “(Chris Tomas, engenheiro de som, em Speak to me). “Quer dizer, eles podem até te matar. Então se você dá neles um choque rápido, curto e grosso, não voltam a fazer aquilo, sacou? Quer dizer, ele se safou numa boa, porque eu podia ter lhe dado uma surra e só acertei um soco. Boas maneiras não custam nada, custam?” (o roadie Roger the Hat em Us and Them) “Não existe o lado escuro da lua, na verdade. Se querem saber, lá tudo é escuro” (Driscoll no encerramento do disco).
Antes da tecnologia digital, criar efeitos era um trabalho braçal. Tinha-se que gravar o que se queria em fita, fazer loops na base da gilette e fita gomada e gravar. Os relógios de Time, por exemplo, foram colocados um a um em diversos loops de fitas, cada um num gravador, operado por uma pessoa e todos tinham que soltar ao mesmo tempo. Alguns loops muito grandes eram esticados na sala do estúdio apoiados em pedestais de microfone que alguém ficava segurando e rezando para que não embolasse. As moedas na abertura de Money foram gravadas por Waters em casa num gravador com o microfone colocado sobre um grande vasilhame de cobre que a mulher dele, escultora, usava para misturar massa. Ele jogou várias moedas lá dentro, gravou e montou um loop que foi combinado com efeitos de caixa registradora da audioteca de efeitos da gravadora EMI.

Vozes femininas dão um toque poderoso de soul gospel a diversas canções de The Dark Side of the Moon. São elas Barry St John, Liza Strike, Lesley Duncan e Doris Troy, parte de um seleto time de vocalistas que participavam de gravações que precisassem de suporte vocal feminino na Inglaterra nos anos 70. Elas brilham em Us and Them (com três dobras), Brain Damage, Eclipse e Time (com efeitos e dobras). O maior desafio foi entregue a uma quinta vocalista, Clare Torry. A canção The Great Gig in the Sky, sobre a mortalidade nossa de cada dia, era uma peça instrumental com falas religiosas, mas a banda achava que faltava alguma coisa, daí decidiram tentar um vocal feminino.
O engenheiro de som Alan Parsons sugeriu Clare, que conhecia de um disco de covers e, por um cachê de 30 libras, ela ouviu da banda a instrução de pensar na morte e em tragédias e fazer um vocal em cima da base construída sobre o belo tema de Rick Wright. Clare fez uns “oh yeah” que não agradaram, pensou em desistir, mas teve a sacada de fingir que era um instrumento, daí fez três tomadas do vocal arrepiante que se ouve no disco e foi jantar com o namorado.
Muitos anos depois, quando o disco adquiriu um status de lenda, ela reivindicou na justiça, e ganhou uma parceria com Wright e Gilmour.

A capa de The Dark Side of the Moon foi adaptada pelos designers Storm Thorgeson e Aubrey Powell de um velho livro de imagens dos anos 40 ou 50 que mostrava um prisma sobre uma partitura sendo atingido por um raio de luz. Eles pensaram num fundo preto com o triângulo que receberia a luz branca de um lado e projetaria um prisma colorido do outro. Fizerem mais de 10 opções, nenhuma com a lua, daí mostraram para a banda, que escolheu o triângulo.

Como o disco teria capa dupla, a luz colorida se projetaria para dentro com uma reprodução gráfica da batida de coração que abre e fecha o disco, feita pelo bumbo de Mason. Para o encarte, foram ao Egito (!!!) fotografar as pirâmides, o que conseguiram com muito sacrifício, incluindo uma diarreia que Powell, muito singelamente, definiu como o “Rio Nilo escorrendo pelo meu rabo.”

A tecnologia dos sintetizadores ainda não decolara quando o Pink Floyd gravou o disco nos estúdios da EMI em Abbey Road, equipados com 16 canais. No disco, a banda usou os sintetizadores Synthi A e VCS3 da empresa Electronic Music Studios do cientista inglês de ascendência russa Peter Zinovieff. O VCS3 foi usado em Brain Damage, Any Colour You Like, Breath e The Great Gig in the Sky. O Synthi A dá o peso na introdução de Time e faz os efeitos de On the Run colocados na mixagem com efeito de pan que pode ser melhor apreciado com fones de ouvido ou surround na versão 5.1 comemorativa dos 30 anos em 2003 e na atual, pelos 50 anos do álbum.
Parabéns, Jama pelo magnífico texto sobre a banda que me levou pro rock , lá em 1975. Sempre viajo no tempo com o PINK FLOYD. Dark side of the moon é uma obra de arte musical !